Dependência digital ou tecnológica: Celular vicia?

Você provavelmente está lendo este artigo por meio de uma interface digital, um computador ou smartphone. Se você for capaz de interromper a sua leitura para fazer outra coisa neste exato momento, mesmo achando o artigo nteressante, você não desenvolveu a chamada dependência digital ou tecnológica.
Espero que você continue a leitura agora, mas tendo a capacidade de interrompê-la a qualquer momento. Se quer continuar é porque você considera importante chegar a uma conclusão para a questão “celular vicia?” que não seja baseada no senso comum.
Por isso, este artigo é embasado em artigos de pesquisa, artigos de revisão de literatura científica e em diretrizes de sociedades científico-profissionais voltadas para a infância e a juventude. O caminho que eu escolhi para esta conversa é fazer as perguntas centrais que você provavelmente faria a mim e respondê-las da forma que mais ajudará você em sua demanda sobre o tema.
São quatro as questões principais sobre este tema em relação ao comportamento de crianças e adolescentes:
- O que é a dependência digital, especificamente a dependência de celular?
- Por que o celular “vicia”?
- Como saber se meu filho está dependente de celular?
- Como ajudar os filhos a vencer a dependência do celular?
O que é a dependência digital ou tecnológica?
É a condição de incapacidade recorrente de uma criança ou adolescente autorregular o uso de um (ou mais dispositivo digital do qual se tornou dependente.
Tipos mais comuns dessa condição são:
- Dependência de internet (e seus dois subtipos principais: pornografia e jogos online);
- Dependência de smartphone (e, com ela, a nomofobia, composição a partir de não + móbile + telefone + medo = medo de ficar sem celular). Vou falar apenas da dependência de celular e da nomofobia, deixando a dependência de internet e de jogos online para outro artigo.
A existência do diagnóstico de dependência de celular – em inglês smartphone addiction – ainda não é consenso na psicopatologia. Por isso é mais comum ouvir falar em uso problemático do celular: a incapacidade recorrente de controle do impulso que resulta em sofrimento ou comprometimento funcional para a criança ou o adolescente, caracterizando dependência comportamental.
O uso problemático de celular é duas vezes mais frequente em adolescentes do que em adultos. As estatísticas disponíveis de crianças e adolescentes nessa situação variam de país para país: 10% em países como o Reino Unido, quase 17% na Tailândia e na Suíça, e em torno de 31% na Coreia do Sul e na Índia.
Nomofobia e medo de estar por fora
Nomofobia é o medo irracional de ficar sem o celular, de não ter habilidades de usá-lo ou da impossibilidade de usá-lo. Ela tem quatro dimensões fóbicas:
- Ficar incomunicável
- Não conseguir se conectar
- Não conseguir ter acesso imediato às informações
- Renunciar à comodidade que o celular proporciona.
A terceira dimensão da nomofobia – não conseguir ter acesso imediato às informações – está relacionada com outra fobia produzida pela cultura de acesso ao conhecimento na atualidade:
o medo de estar por fora [perder informação ou não saber de temas, novidades ou notícias]. Crianças e adolescentes com o medo de estar por fora ficam constantemente online nas redes sociais com medo de não ficar sabendo do que ocorrendo no momento. Assim, ficam compartilhando suas rotinas e verificando ritualisticamente o que é ompartilhado pelos outros.
Subjacente ao medo de estar por fora está a apreensão e a preocupação contínua. A apreensão é a antecipação de estar perdendo oportunidades; a preocupação é tanto em abarcar na consciência tudo o que for possível quanto em se arrepender de perder algo ou errar em decidir não ficar por dentro de tudo. A criança ou o adolescente pode, como resultado, se esquivar das situações sociais que poderão revelar que ela ou ele está por fora do tópico em
uma conversação.
Por que o celular “vicia”?
Há poucos estudos sobre a neuroquímica específica do uso problemático do celular. Entretanto, muito já se sabe sobre os neurotransmissores envolvidos em outras dependências, de substâncias e de comportamentos.
A dopamina pode ser a chave para entender porque o celular “vicia”. A dopamina é o neurotransmissor que, atuando de diferentes formas no sistema nervoso de nossos filhos, é muito estritamente responsável pelo humor e prazer que eles sentem. Sua liberação por algo que eles consomem ou fazem gera prazer e euforia e esse efeito os leva a consumir ou fazer esse algo novamente.
A ativação cerebral que a dopamina produz parece ser semelhante à ativação que acontece com a dependência de drogas e de jogos. Drogas e jogos não estão sempre à mão como está o celular, e alguns jogos e algumas drogas são ilícitas. Isto não acontece com o celular, o que torna bem menor o custo do seu acesso.
Os adolescentes são mais suscetíveis em ficarem dependentes do celular porque ainda têm uma autorregulação cerebral imatura para inibir o forte desejo pelas possibilidades atraentes que os celulares lhes proporcionam.
Além disso, os telefones celulares emitem ondas de radiofrequência que interferem no organismo da criança e do adolescente. No sistema nervoso, essas ondas agem nas sinapses do sistema cerebral de recompensa de modo semelhante ao modo como a cocaína age. Mas esta linha de investigação ainda precisa de mais estudos.
Sinais da dependência de celular
O processo envolvido no uso problemático de celular é o mesmo do jogo patológico e do abuso de drogas. Portanto, eis os sinais de que a criança ou o adolescente age, sente ou pensa de formas que indicam que está havendo esse uso problemático:
- Precisa usar o celular mais vezes e por mais tempo para obter prazer ou fazer cessar um estado emocional negativo.
- Sente frequentemente uma necessidade urgente de olhar o celular.
- Apresenta problemas de sono pela frequência das verificações e checagem do celular durante a noite.
- Continua a usar o celular em situações potencialmente perigosas ou de risco para danos materiais ou morais (por exemplo, na rua, dentro da piscina, andando de skate ou transmitindo imagens ao vivo).
- Demanda que você gaste muito dinheiro com acessórios (capas, fones, suportes, luminárias etc.), aplicativos ou com marcas e modelos de aparelho.
- Tem histórico de não ter tido sucesso em reduzir ou parar o uso problemático do celular.
- Afasta-se de vocês, pais, ou dos irmãos ou da sumiços em eventos em família para ficar usando o celular.
- Apresenta problemas no funcionamento escolar, social ou emocional.
- Mostra desconforto, desejo ou abstinência quando há algum impedimento de uso do celular (por exemplo, estar sem bateria ou carregador).
- Mostra ansiedade ou irritação quando o celular não está acessível. Mas atenção!
É importante considerar que não há um critério de quantidade dos itens acima para dizer se seu filho ou filha faz uso problemático do celular, já que o aparelho tem uma multiplicidade de funções.
Alguns especialistas, usando medidas precisas, chegaram a propor que 4,62 horas por dia e 68,4 vezes de uso classificaria o uso como problemático. Como isto seria normal para algumas pessoas ocupando algumas profissões, há controvérsias com esse critério quantitativo.
Assim, a motivação, ou seja, a função a partir da consequência ou gratificação no uso do celular, tem sido defendida por outros especialistas como o crivo para definir o seu uso como um comportamento-problema. Portanto, a pergunta mais importante é prática: “para que” o uso problemático do celular ocorre?
Como ajudar os filhos a vencer a dependência do celular?
Dicas para ajudar um filho ou filha que faz uso problemático do celular:
- Seja o modelo do uso saudável de celular: tenha seus horários definidos de atividades com e sem celular; privilegie as relações presenciais; faça uso seguro da internet pelo celular; tenha alternativas de lazer sem o celular.
- Use aplicativos para monitorar e limitar o tempo e a qualidade do uso do celular pelo seu filho ou filha.
- Crie territórios ou períodos “sem celular” em casa, estabelecendo um local para guardar o celular, estabeleça o horário do “modo avião” do período noturno.
- Incentive outros interesses e proporcione atividades relacionadas a eles.
- Converse com seu filho sobre questões subjacentes ao “vício”, tentando entender a motivação do uso problemático do celular.
- Mantenha uma comunicação aberta sobre cyberbullying nas redes sociais.
- Obtenha informações sobre o limite de segurança do tempo de tela no celular, sem esquecer de computar o tempo diante de outras telas.
- Estabeleça regras claras com consequências justas em caso de cumprimento e descumprimento.
- Reforce qualquer intenção ou ação em direção às atividades de movimento para atividades sociais reais ou ao ar livre.
- Obtenha ajuda profissional de um psicólogo, se necessário, pois dificuldades parentais estão associadas ao uso problemático do celular pelos filhos.
Fontes
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